domingo, 13 de março de 2016

Estrada de Ferro Santa Catarina - Erradicada da paisagem do Vale do Itajaí no ano de 1971


No dia 13 de março de 1971, foi retirada a ferrovia da paisagem do Vale do Itajaí. A ferrovia permaneceu na paisagem do vale por aproximadamente 60 anos. Também levou aproximadamente 60 anos, para ser inaugurado seu primeiro trecho (1909) após a chegada do primeiro grupo de imigrantes para fundar a Colônia Blumenau (1850).
Ponte Ferroviária Aldo Pereira de Andrade e o Túnel - área central de Blumenau - atualmente faz parte da estrutura rodoviária de Blumenau.
O plano de implantar a ferrovia na região do Vale do Itajaí chegou com os primeiros imigrantes alemães, os quais, então, haviam tido contato, em suas cidades de origem, com a revolução industrial e com o processo econômico capitalista que propiciou o início da era moderna. Foi adotada a tecnologia ferroviária alemã porque estes primeiros imigrantes, durante as primeiras décadas no Vale do Itajaí, mantinham estreitas ligações comerciais e laços afetivos e culturais com seu país de origem, independentemente da hegemonia da tecnologia ferroviária inglesa presente no mundo e em especial no Brasil, nessa época, conforme citado no corpo desta pesquisa. Este fato foi evidenciado quando da escolha do local de assentamento da sede da Colônia Blumenau, à chegada dos primeiros 17 imigrantes, indicado em um plano (mapa) marcando lotes coloniais nas proximidades da foz do ribeirão Garcia.

Os núcleos urbanos no interior da colônia foram assentados nos sedimentos antigos, alcançando a superfície do Planalto Oriental, na certeza de que existiria o estabelecimento de uma comunicação natural, por meio de caminhos que posteriormente foram feitos por agrimensores alemães, e em decorrência da construção da ferrovia. Estes núcleos urbanos que "pipocavam" no interior da colônia mantinham constante articulação com a sede - Stadtplatz, que apresentava sua localização estratégica sob o ponto de vista geográfico.






O objetivo das lideranças do Vale do Itajaí, desde a época de sua chegada à região, sempre foi o de efetivar a ligação de Colônia Blumenau com o planalto serrano e com a Argentina, por meio da abertura de caminhos. 
Os caminhos em rede na região e a ferrovia escoariam a produção das propriedades rurais formadas pelas nucleações urbanas primárias que deram origem às muitas cidades atuais do Vale do Itajaí. 
Algumas décadas após a chegada dos primeiros imigrantes, os núcleos urbanos isolados dentro do processo de produção social estabelecido na região representavam a fonte primária da matéria-prima que alimentava a emergente indústria familiar local, na virada do século XIX para o século XX. Era então industrializado o excedente agrícola. Esta configuração social incentivou as lideranças políticas e econômicas locais a buscarem alternativas concretas, para, enfim, se concretizar o plano dos pioneiros - a construção da ferrovia.

Na virada do século XIX para o século XX, o fortalecimento do partido republicano na região e no Brasil resultou em mudanças sociais e econômicas não somente no País como também, especificamente, na região do Vale do Itajaí. Entre elas, o aumento das transações comerciais de terras destinadas a imigrantes, por meio do incremento da concessão de terras na bacia do Itajaí-Açu a empresas colonizadoras, como a Colonizadora Hanseática (com sede em Hamburgo).
As colonizadoras, na época, faziam o papel do Estado no que tange a obras de infraestrutura primária, como a construção de pontes e estradas. As áreas comercializadas quase sempre eram grandes glebas praticamente desabitadas. Quando as empresas colonizadoras tomaram para si estas tarefas, isto não significava que estivessem interessadas em construir e promover a construção e organização espacial destes primeiros núcleos urbanos, mas sim, que vislumbravam o aumento de sua rentabilidade e negócios por meio do aumento das vendas de terras. Com a construção da infraestrutura básica as terras eram valorizadas, diante da possibilidade de ligações e comércio com outras regiões.
Em 1897, estando a negociação das terras da zona da bacia do Itajaí banhada pelo rio Hercílio a cargo da Colonizadora Hanseática, essa empresa foi abordada por lideranças políticas e econômicas locais e por investidores alemães ligados ao transporte fluvial e a bancos, para que investisse na construção de uma ferrovia ligando a região do Vale do Hercílio à sede da Colônia Blumenau. Esta obra representava, para a Colonizadora, um aumento de sua rentabilidade com base nas vendas, pois a região, apesar de se encontrar muito bem localizada em um vale com boas terras para a plantação, se encontrava isolada. Para os investidores de empresas de navegação alemãs, representava a perspectiva de explorar a navegação fluvial no rio Itajaí-Açu. Para os banqueiros alemães, a possibilidade de lucros certos, advindos dos juros sobre o capital aplicado, pois, aparentemente, o empreendimento apresentava vários pontos de negócio seguro. Para a região do Vale do Itajaí, por sua vez, representava a chance concreta do desenvolvimento econômico promovido pelo escoamento da produção regional para o porto marítimo. Diante dessa chance de materializar a construção da ferrovia, as lideranças já vislumbravam a possibilidade concreta de criar uma malha ferroviária na região, construindo a ferrovia até o extremo oeste do Estado.
Construída a ferrovia, o desenvolvimento da região do Vale do Itajaí sofreu um salto. A ferrovia, na primeira época - EFSC, permitiu que as cidades se desenvolvessem ao longo de seu traçado, mais precisamente em torno de suas 24 estações. Novas nucleações surgiram ao longo da ferrovia e se desenvolveram, possibilitando a visualização do crescimento da malha em forma de estrela, forma essa encontrada em todas as grandes cidades do mundo, até o advento do automóvel.
Pode-se afirmar que a desativação da EFSC foi resultado de um processo criado por uma série de acontecimentos e iniciativas de ações do poder político e econômico nacional. 
Presidente do Brasil - Getúlio Vargas marcando presença na região ao lado do interventor republicano Nereu Ramos - observa de perto a política nacionalista.
Jucelino Kubitscheck durante inauguração
da Fábrica Mercedes Benz - Foi 'garoto" propaganda,

 também da Volkswagen
O Brasil, na ânsia de desenvolver a indústria no território nacional, na década de 1930, buscou solidificar e construir malhas ferroviárias criando caminhos de escoamentos interligados, e terminando, assim, com as ilhas de produção isoladas, como era o caso da região do Vale do Itajaí. A EFSC era um ramal pequeno, isolado. Durante o “Período Getulista” houve inúmeras iniciativas para promover o crescimento da indústria, com seu desenvolvimento voltado para o mercado interno, substituindo as importações. Com o nacionalismo, o governo, nessa época, observava com cautela as regiões povoadas por imigrantes europeus, dificultando mais as ações de iniciativa local, e a região passava a receber produtos industrializados de outras regiões, como São Paulo, competindo diretamente com a indústria local. Daí em diante, a região deixou de ser uma ilha isolada, e passou igualmente a comercializar sua produção para esses mercados mais afastados, atendendo, desta forma, à vontade das novas lideranças nacionais, cuja meta era que a produção nacional chegasse a todas as regiões do território nacional, plano esse dificultado pela dimensão do território nacional.
Como a ferrovia apresentava limitações e não tinha penetração em todas as regiões, houve ações para a construção de rodovias e de ramais ferroviários regionais.
A abertura do País para o capital das multinacionais aconteceu no governo de Juscelino Kubitscheck, quando a desvantagem do modal ferroviário para o modal rodoviário aumentou. Os investidores internacionais e as lideranças locais vislumbravam, no automóvel, rapidez e mobilidade, e o escolheram como o meio de transporte adequado ao perfil dos novos tempos, sem qualquer reflexão sobre os conflitos de tráfego viário que surgiriam em longo prazo nos espaços das cidades. 
Vendendo caminhonetes em frente a primeira estação ferroviária de Blumenau - local da atual Prefeitura Municipal de Blumenau













Também não houve uma reflexão quanto ao material e capital investidos nas ferrovias existentes. Muitos dos investidores eram representantes dos produtores de petróleo internacionais e indústrias automobilísticas que buscavam ampliar seu mercado de consumo no território brasileiro. 
Diante desse contexto, a ideologia vigente no período propagava, com o aval do Estado, “inúmeras vantagens” do transporte feito por automóveis, quer seja no transporte público ou privado, em âmbito nacional. 
A EFSC, não mais administrada na região, e sim pelo Estado brasileiro, como outras tantas no território nacional, tornou-se economicamente inviável. As lideranças locais, que noutro tempo tanto fizeram para sua construção, foram seduzidas pela nova alternativa de transporte e dirigiram suas iniciativas à construção de rodovias na região. Deixou, assim, de haver o necessário empenho na manutenção da ferrovia, no material rodante e na estrutura ferroviária. A nova ideologia econômica propagava a necessidade da modernização, e o automóvel detinha esse perfil. Faltou reflexão sobre as conseqüências geradas pela troca do modal ferroviário pelo rodoviário.
O agente responsável pela decadência ferroviária na região e no Brasil foi a implantação, pelo Estado, de novas políticas econômicas que, sob o comando do capital internacional, adotaram o modal rodoviário como o meio de transporte dos novos tempos, não somente no Brasil, mas globalmente.
Em relação ao aspecto urbano, conclui-se que a ferrovia foi um dos elementos estruturadores da malha urbana do Vale do Itajaí, juntamente com os primeiros caminhos feitos pelos pioneiros e as vias fluviais. A última etapa ferroviária da EFSC a ser inaugurada e que permaneceu efetivamente em uso foi a do trecho até Trombudo Central, no ano de 1958, e até Itajaí fora inaugurada em 1954. A desativação de todo o trecho aconteceu em 1971; portanto, permaneceu em pleno funcionamento somente pouco menos de duas décadas. 
A EFSC foi o caminho mais efetivo para a agilidade da povoação do território dos imigrantes alemães e italianos no Alto Vale do Itajaí, durante seus 20 anos iniciais de funcionamento. Promoveu a ligação da sede da Colônia Blumenau com outros núcleos urbanos no Alto Vale que, mais tarde, ao longo dos inúmeros desmembramentos, se transformaram nas cidades de Indaial, Ascurra, Ibirama, Lontras, Rio do Sul e Trombudo Central. Transportou, durante mais de seis décadas, no Vale do Itajaí, cimento, fécula, gado, madeira, areia, soda cáustica, correio e passageiros.
Estação de Apúna
Complexo ferroviário na área central de Blumenau formado pelo elevado, ponte dos arcos, túnel e ponte de ferro.
O Vale do Itajaí já foi provido por uma ferrovia consideravelmente moderna para a época, que funcionava de forma integrada e harmônica para o transporte rodoviário e fluvial e em regime de eficaz complementação. Sua desativação – de certa forma precipitada, intempestiva – não consegue impedir a presença de um sentimento de frustração, que acaba adquirindo contornos ainda mais ampliados diante dos constantes desafios e dificuldades que a administração pública enfrenta para uma adequada manutenção e uso das rodovias que cortam nosso País de proporções continentais.
Ponte ferroviária de Hammonia - Primeira ponte construída sobre o Rio Itajaí Açu






Como aconteceu a erradicação da ferrovia no Vale do Itajaí?
O superintendente Hélio de Mello, autorizado pela RFFSA, suspendeu todo o tráfego ferroviário em março de 1971. No dia 12 de março de 1971, às 17 horas, o maquinista José Pacheco comandou a máquina da última viagem de trem da EFSC. A composição era formada pela locomotiva a vapor n° 331, de fabricação Baldwin, norte-americana, de 1925, mais quatro vagões. 
Os passageiros desta última viagem de trem da EFSC eram os funcionários da estrada de ferro e seus familiares, que com lenços brancos cumprimentavam as pessoas ao longo da ferrovia, ao som do sino e do apito do trem.
Estação de Indaial - Última viagem

Estação de Indaial - Ùltima viagem

Estação de Indaial - Última viagem



Em 2017, entrevistamos crianças que assistiram esta última viagem - atualmente - adultos que trabalham como voluntários no resgate de patrimônio móvel da extinta EFSC.
Em breve, estaremos mostrando o trabalho voluntário de outra equipe de voluntários que trabalha junto à estação do Matador - Rio do sul, da EFSC. 

E resta-nos dizer...

Em muitos lugares do planeta, mais ou menos na mesma época, também houve a prioridade e mais interesse no modal de transportes rodoviário. Tinham e adotaram, mas jamais, desmantelaram um patrimônio e sim,  integraram os diversos modais de transporte.
Strassbourg - França

Strassbourg - França










































Há mais de 45 anos, terminou a intermodalidade no Vale do Itajaí.
Itajaí SC - década de 1950 - Ponto final do Trem - cuja viagem iniciava no Alto Vale do Itajaí.




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2 comentários:

  1. Digníssima Sra. Angelina Wittmann! Excelente matéria referente a EFSC. Parabéns pela pesqusa.

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