terça-feira, 17 de março de 2015

Entrevista do Sr. Otto Rohkohl - Primeiro Diretor da EFSC ao Sr. Frederico Kilian

Sr. Frederico Kilian foi um dos historiadores mais respeitados na cidade de Blumenau e na região - durante a segunda metade do século 20. A seguir - uma importante entrevista sua publicada no livro - A Ferrovia no Vale do Itajaí - Estrada de Ferro Santa Catarina, onde o entrevistado foi o Sr. Otto Rohkohl, primeiro Diretor da EFSC, ferrovia, cujo primeiro trecho foi inaugurado entre Blumenau a Warnow (Indaial). A EFSC foi  única ferrovia construída no Brasil com tecnologia alemã.
Após muitos entraves políticos e econômicos, a ferrovia EFSC teve seu trajeto modificado na área central de Blumenau, com argumentos do então Diretor -  Joaquim Breves Filho, filho de político influente na capital brasileira e ganhou o cargo por vias política. Breves filho convenceu a comunidade de Blumenau que era menos oneroso para a municipalidade, construir duas pontes, um elevado, um túnel e uma estação nova, do que passar a ferrovia pela beira rio, na época, quintais das poucas casas comerciais ali construídas. 
Mudança do trajeto ferroviário na área central da cidade
Inauguração do primeiro trecho ferroviário - Blumenau a Warnow (Indaial)
Estação de Warnow




Primeiros construtores e equipe técnica
Conjunto ferroviário, parte do projeto alterado - Ponte dos Arcos e viadutos da Sulfabril
Sr. Otto Rohkohl - Entrevistado do Sr. Kilian e
pertencente ao grupo da primeira equipe técnica da EFSC.
Entrevista
  
A greve dos ferroviários da Estrada de Ferro Santa Catarina, que perdurou  algumas semanas e incalculáveis prejuízos têm causado à economia do Vale do Itajaí, veio despertar a atenção, não só dos poderes públicos e dos  círculos econômicos, como também da população em geral para esta via de comunicação que tanto têm contribuído para o progresso dos municípios da bacia do Itajaí, e , enquanto os representantes dos grevistas, em conjunto com os deputados e os representantes de nossa indústria e comércio conferenciavam com o govêrno estadual e federal, para o problema criado com a paralisação do tráfego, também entre a população local o assunto obrigatório das conversas era a Estrada de Ferro Santa Catarina. (Frederico Kilian. 1957, p. 29 Blumenau em cadernos)
  
Entrevistador:  Frederico Kilian
Entrevistado: Otto Rohkohl

Data: [?] - [?] - 1957

Biografia do entrevistado: Trabalhou por mais de 30 anos, em várias empresas de destaque em Blumenau. Foi o primeiro diretor da Estrada de Ferro Santa Catarina, em seguida, foi gerente da Empresa Força e Luz Santa Catarina ( Usina do Salto), foi um dos fundadores da Eletro Aço Altona e da fábrica de gazes Cremer S/A e mais tarde trabalhou na administração da Empresa Telefônica, mantida pela Associação Comercial de Blumenau.

Abreviações:  F. K .  - Frederico Kilian
  O. R.  - Otto Rohkohl

F.K. - 1 )  Em que época, mais ou menos, a construção de uma estrada de ferro foi posta em evidência pelos blumenauenses, como um problema econômico inadiável?
O.R. - Já nos primeiros anos de colonização de Blumenau, o seu fundador, Dr. Hermann Blumenau, reconheceu a necessidade da construção de uma estrada de ferro, que ligasse o centro da Colônia, que ao mesmo tempo era o porto fluvial mais avançado do rio Itajaí-Açú, com o “Hinterland”. Mais tarde com o avanço da colonização para o interior, acentuava-se cada vez mais esta necessidade da ligação por meio de uma estrada de ferro que atingisse o planalto de Santa Catarina. Já em fins de 1870, o Engenheiro Emílio Odebrecht, que abrira um traçado para uma estrada de rodagem até o planalto, trabalhava para o projeto da Estrada de Ferro - Chopim, que deveria ligar o planalto catarinense, desde a sua fronteira com a Argentina, com o Oceano Atlântico, descendo pelo Vale do Itajaí, porém, este projeto não chegou a ser realizado. Com colonização das bacias dos afluentes do rio Itajaí, notadamente da Colônia Hansa, estes  planos se concretizaram mais, tendo o Engenheiro  Friedrich von Ockel feito maiores estudos e chegado a fincar, em ato solene, a primeira estaca, em dezembro de 1899, onde hoje se acha o Grupo Escolar Luiz Delfino, mas também  ainda desta feita a construção não foi levada a efeito. A partir de 1900, A Sociedade Colonizadora Hanseática, cujos planos de colonização muito sofriam por falta de vias de transporte para os produtos coloniais, empenhou-se seriamente pela realização da construção da estrada de ferro, tendo gasto para mais de 200.000 marcos, em estudos e preparativos para a construção da mesma.

F.K. - 2 ) Quais foram as pessoas ou entidades que mais se interessaram, em Blumenau, pela construção da estrada de ferro?
O.R. - Para a realização da construção, os que mais se interessaram em Blumenau, foram, além da Sociedade  Colonizadora Hanseática, o  govêrno municipal, que tinha como prefeito o Sr. Alvin Scharader, homem de larga visão comercial, e, mui especialmente, o abnegado propulsor do progresso de Blumenau, que foi Pedro Christiano Feddersen, que depois de coligir aqui o necessário material estatístico, fêz  várias viagens à Capital da República, para conferenciar com ministros e políticos, e foi até à Alemanha, para lá despertar nos círculos econômicos o interêsse para o projeto e obter, de emprêsas bancárias e de navegação marítima, bem como nos círculos do Govêrno Imperial, o apoio ao projeto e, conseqüente financiamento da construção.

F.K. - 3) Quais eram os meios financeiros ou grupos de capitalistas com que o engenheiro Friedrich von Ockel contava ou podia contar, ao dar início (aliás simbólico) da construção da sua “Tram-way em fins de 1899?
O.R.  - O engenheiro Friedrich von Ockel não possuía meios financeiros nem tinha a seu lado qualquer grupo de capitalista para custear a construção da aludida estrada de ferro, para qual obtivera uma concessão anos antes e que estava prestes a caducar.

F.K. - 4) Quais as emprêsas ou capitalistas, na Alemanha, que custearam os primeiros estudos definitivos para construção da Estrada de Ferro Santa Catarina?
O.R - Por principal iniciativa da Sociedade Colonizadora Hanseática, que necessitava, para o seu desenvolvimento e escoamento de seus produtos, de transporte seguro, rápido e barato, e das Emprêsas de Navegação Marítima Alemãs, que viam no desenvolvimento da colonização da bacia do rio Itajaí, e conseqüente ampliação do pôrto de  Itajaí, futuramente, uma importante praça de comércio internacional para os seus navios de carga e passageiros, fundou-se, em Berlim, sob a direção do Banco Alemão e a cooperação financeira de outros bancos e das ditas Emprêsas de Navegação, a “Estrada de Ferro Santa Catarina Sociedade Anônima” com sua sede social em Berlim, com a finalidade de realizar a projetada construção da Estrada de Ferro e sua exploração.

F.K. - 5)  Em que época se deu isto?
O.R - Esta resolução foi tomada no ano de 1906.

F.K. - 6)  Qual foi a Emprêsa que ficou com a  concessão dada ao engenheiro Friedrich von Ockel pelo governo do Estado?
O.R. - Não houve transferência de concessão, pois àquela já havia caducado e a Sociedade Anônima, recém fundada, obteve nova concessão por parte do governo catarinense.

F.K. - 7) Quais foram os capitalistas ou emprêsas de Blumenau que participaram, financeiramente, na construção da Estrada de Ferro?
O.R - Nenhum grupo de capitalistas, ou emprêsas de Blumenau, nem mesmo do Brasil, participou financeiramente na Sociedade Anônima ou na construção da Estrada de Ferro Santa Catarina.

F.K. - 8) A emprêsa construtora da estrada de ferro teve quaisquer embaraços ou aposições, por parte de algum morador daqui, na execução ou construção da estrada de ferro?
O.R. - Ninguém opôs qualquer embaraços ou, dificuldades à execução da obra.

F.K. - 9) Quando, mais ou menos, estavam concluídos os estudos preliminares, inclusive as medições, para que uma firma construtora pudesse ser encarregada da construção da estrada de ferro?
O.R. - Os estudos definitivos começaram no ano de 1906, e sofreram certa demora com a morte do engenheiro chefe, Sr. Krober, que veio a falecer aqui em Blumenau, e foram terminados pela comissão de construção da firma construtora, Bachstein-Koppel, aqui chegada em fins de 1907.

F.K. - 10) Em que data foi iniciada a construção da estrada de ferro?
O.R. - A construção, propriamente dita, foi iniciada em dezembro de 1907.

F.K. - 11)Quando é que foi inaugurado o primeiro trecho entregue ao tráfego regular e até  que estação ia o mesmo?
O.R. - Em 3 de maio de 1909 foi inaugurado o primeiro trecho, um tráfego regular até a estação de Warnow.

F.K. - 12) Em que data foi inaugurado o trecho até a estação final de Hansa?
O.R. - Em 1o. de outubro de 1909.

F.K. - 13)Quem foi o primeiro diretor da Estrada de Ferro Santa Catarina?
O.R. - O primeiro diretor da estrada de Ferro Santa Catarina, foi este seu criado. Antes de eu vir a Blumenau, achava-me na direção da Estrada de Ferro-Otavi, na África do Sul, e que fôra construída pela mesma firma construtora, Bachstein-Koppel, com uma extensão de 560 quilômetros, através uma zona inexplorada e silvestre do sudoeste da África, no curto prazo de apenas 3 anos. De lá vim, a mando da referida firma, para assumir aqui a parte administrativa da construção da estrada de ferro, tendo ficado, após a conclusão do trecho Blumenau-Hansa, na direção da mesma estrada de ferro, até agôsto de 1913.

F.K. - 14) Quem sucedeu a V.S. na direção da Estrada de Ferro Santa Catarina?
O.R. - Em 1913 a Sociedade Anônima E.F.S.C., resolveu prolongar a estrada até ao pôrto de Itajaí, e o engenheiro Weitnauer e eu  fomos designados para fazermos os respectivos estudos, pelo que deixei o cargo de diretor da Estrada de Ferro, que se achava em tráfego, entregando-o ao Sr. Martin Bischof, para assumir meu novo pôsto. Instalamos o nosso escritório ao pé do morro do Aipim, em terreno de minha propriedade, no local onde hoje está o Centro de Saúde, porque ficava ele entre as duas pontes projetadas sôbre o rio Itajaí-Açú.

F.K. - 15) Então já época foram projetada duas pontes sôbre o rio Itajaí-Açú, para o trecho até Itajaí?
O.R. - Foram estudados vários projetos, um dos quais de  marginar o Rio Itajaí-Açú em sua margem direita, até a “Vorstadt”, mediante a construção de um muro de arrimo desde a foz do Ribeirão da Velha até a “Vorstadt”. esta obra por ser mais cara do que duas pontes, mas que por sua vez viria beneficiar a cidade que com isto iria possuir um cais de vários quilômetros de comprimento, só poderia ser feita com a cooperação do governo brasileiro, federal e municipal. Como o município era pobre e não tinha os meios para cooperar neste plano e o govêrno federal  nenhum auxílio queria prestar para sua realização, foi abandonado êste projeto.

F.K. - 16) Em que data a Estrada de Ferro Santa Catarina foi entregue à administração do govêrno?
O.R. - Pelo Decreto No. 13.907, de 6 de janeiro de 1918, a Estrada de Ferro Santa Catarina foi emaciada pelo Governo Federal.

F.K. - 17) Durante a administração pela Sociedade Anônima qual foi, em média, a porcentagem do lucro, ou prejuízo, que acusava o capital aplicado?
O.R. - Na exploração de uma estrada de ferro, em zonas de desenvolvimento lento, nunca pode contar com uma margem de lucro do capital  investido, nos seu primeiros anos, mas apenas somente depois de  decorrido vários anos. Mas mesmo assim, apesar do pequeno movimento inicial de cargas, e relativo curto trecho, as rendas da estrada sempre deram para cobrir as despesas de sua manutenção e administração.

F.K. - 18) Permita-me mais uma pergunta - Acha V.S., que a Estrada de Ferro Santa Catarina, em mãos de uma emprêsa particular, que administrasse segundo as normas da antiga Sociedade Anônima, naturalmente com observância das leis trabalhistas vigentes, proporcionaria alguma porcentagem de lucro com relação ao capital nela investido?
O.R. - Em face da atual situação inflacionaria e sempre crescente em que nos encontramos, já seria um considerável êxito administrativo, se as rendas da estrada de ferro dessem para cobrir suas despesas. Em geral, em países de cotações cambiais decrescentes, as estradas de  ferro de elevado custo de construção, nunca podem ser consideradas como objetos de emprego lucrativo do capital nelas investido. O proveito se faz sentir indiretamente e consiste no progresso das zonas por elas servidas.



A construção da História é permanente através dos novos elos. 

Muitas vezes o presente e o passado 

se encontram através das sintonias culturais.


Fotos do Livro:  A Ferrovia no Vale do Itajaí -




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